domingo, 31 de outubro de 2010

Chi



Largo as folhas quadradas e recosto o corpo nos lençóis ainda frios, antes de ligar a conexão entre os dedos que há muito não escrevem e uma mente pouco-cheia (ou meio-vazia) de conceitos… Saudades de como este circuito é mais rápido no ecrã que no pensamento, e leio as palavras escritas que saíram do meu cérebro mas antes mesmo de as pensar. Leio então o meu próprio pensamento com os dedos num diferencial de tempo.
Deixo que a música me preencha os espaços vazios, pela melodia nova e a mensagem que nem sempre ouço.
Inicio um processo de reciclagem daqueles pormenores irritantemente persistentes que me poluem a essência de uma forma estúpida… mas que creio serem inevitavelmente meus… tropeço no mesmo degrau vezes demais, mas escalo com as mãos outros caminhos que correm depressa em constante evolução. Talvez nem sempre sejamos o que julgamos ser, talvez seja preciso mergulhar nas diferentes camadas, uma de cada vez, e conhece-las na totalidade… ainda assim deixar espaço para novas peças. Afasto-me para ver doutra perspectiva este puzzle infindavelmente delicioso. Peças que surgem e outras que desvanecem, peças que mudam de direcção ou de tom talvez, e nesta dança se constrói a identidade que dorme connosco todos os dias, que vê através dos nossos olhos, que liga o instinto e a intuição em surdina ou mesmo a gritar. E nesta pausa penso se cada fase deste encaixe é diferente de hoje, ou se é preciso afastar mais a distância do observador e ver a periferia do núcleo presente. Jamais deixamos de ser o que fomos outrora, mas podemos ser a reconstrução equilibrada de vivências assíncronas…
Umas vezes carrego nas mãos a energia invisível, forte e incerta (tudo ao mesmo tempo), outras vezes o que trago nas mãos é o poder de mudar a vida dos outros de forma simples e objectiva, sem beleza estética nem assinatura, apenas com a missão de para o relógio que corre numa direcção… mas nem sempre consigo lutar contra esse destino (será que é suposto?).
Deixo o chão… Ouço a banda sonora d”O Fabuloso destino de Amèlie”, deixo-me encantar pelas notas dançantes do piano e sobretudo pelo encanto desta personagem de Montmatre que se funde com o mundo numa paixão pelos pormenores que fazem cada pessoa um pouco mais feliz.
Tu fazes-me feliz como nos sonhos que cheguei a ter e que pensara não poder ser mais que Platónico. Mas mostraste-me o contrário, que sonhar é desenhar em antemão o futuro. Como antes questionaste se os teus olhos vêem ou imaginam, serás real por seres o que desejo? O ilusionismo mostra-nos como a realidade não é exactamente o que vivemos. Mas impossível será que também o que se sinta seja pintado, porque não existem cores com esta textura… Trazes fulgor e calor a cada instante e ao todo intemporal, um equilíbrio insuperável por qualquer outra força universal. És o meu Chi! Neste instante quilómetros vão-nos afastando em crescendo, mas o magnetismo tem relação inversa, e mesmo não querendo escrever contigo deixo-me levar pelas palavras que mais uma vez me mostram o meu pensamento em décalage… Penso em ti, Sempre….

quarta-feira, 28 de abril de 2010

Osmose


Vertigem…. Fecho os olhos para deixar de rodopiar, mas o fluxo alucinante dos inputs sensoriais causa-me desequilíbrio… vertigem… caminho sem mover os pés num caminho sem destino, naquele onde o agora e o depois se fundem numa existência una, magna, só!
Gritam-me em silêncio as vozes do mundo mudo, num crescendo a cada segundo de distância percorrida… Quero laquear a barreira invisível que ténuamente separa a essência da existência, ficar por instantes mergulhada no ponto de ebulição dos pensamentos intrínsecos, mas eles (esses outros que moram lá fora) voam como flechas com alvo certo. Centrípetos são o sentido e a direcção. Centrífuga a vontade.
Sentidos… sentido… recosto o corpo num banco de imaginação e recebo por osmose o mar de sensações do lado de fora. São aromas coloridos e sabores de vários timbres, e no instante que passa perco a capacidade de discernimento intuitivo. Incessante a sede do exterior em entrar neste espaço onde existo e inexisto, um estado mutável e híbrido. Teimam em não perguntar, eles, os sentidos, se a alma que baptizei se quer reconstruir num continuum… e eu,enquanto recupero o fôlego, deixo-me guiar pela maré, aquela que antes vos apresentei.
Decido largar a bússula...Pausa…. Inspiro… Redimensiono a objectiva. Deito o corpo exausto no chão frio e mudo a direcção do olhar, traço uma perpendicular a zénite e deixo que as pupilas dancem de improviso pelo campo de visão. Emano pensamentos e inspiro inspirações na terceira pessoa, aquelas que soltas ao passar ao meu lado, aquelas outras também que compõem o terceiro espaço e que entram na mesma equação que as minhas. A matemática redimensionada não vem nos livros, vem dos cruzamentos fortuitos que gravam novas coordenadas, orientam rumos e tomam o leme do destino.
Continuo, imóvel, ainda, a absorver o mundo… a espessura da pele transforma-se com sedimentos que se sobrepõem de momentos sucessivos. Bebo mais um pouco, daqui e dalém, até fechar os olhos de plenitude. Nesse instante sinto a clarividência de toda uma vida, da minha, da tua e do mundo inteiro.
Expiro! Levo-te comigo… leva-me contigo…

terça-feira, 30 de março de 2010