sábado, 28 de fevereiro de 2015

Regresso

Regresso, de mala às costas, de coração quente e pensamentos irrequietos, a estes dedos que escrevem sem pensar, sem pesar os conceitos nas palavras. Rasgada, rasguei, rasgaste-me a alma de tanto amar. Virei-me do avesso ao longo do tempo, com imagens por dentro e por fora, de fora para dentro, pintaste a cores os meus dias cinzentos, cheios de tinta às cores, textura e relevo que só as vivências podem deixar... E foi o tempo passando e o amor tatuando, uma vida, a vida, a minha e a nossa, a tua nua de outras estórias. E pergunto-me às vezes, como pode ser perfeito tamanho querer, o ter ontem e amanhã sempre com a mesma intensidade, ou mais, decerto, hoje. Quis a história resgatar-me de um outrora tão seco, e entrelaçar-me num contínuo tão rico, certo mas também, claro, irregular... entre os dias que me beijas e os dias que te calas, num oscilómetro (aquilo que poderia medir essas oscilações) de encaixes assimétricos, rugosos mas perfeitos. Já fui e voltei e agora quero ficar sem voltar a ir. Vem, anda, pega também tu na tua mala, vamos fazer juntos esta escalada, esta nova mas sempre vislumbrada etapa do futuro que tão depressa se tornou a prenda, ou melhor, o presente. Quero ser a mesma menina que abraçaste a primeira vez em cima de um barril de plástico azul, e aquela que, com vergonha te recusou um beijo. Aquela que abraçaste, desarmado contra uma parede gelada, quando te disse que nunca antes tinha provado um homem como te queria provar a ti, aquela a quem roubaste carinhosamente o terreno nunca antes desvendado, aquela a quem tornaste mulher, com desejos e fantasias num amor quente com cada vez mais intensidade, aquela que perdeu a vergonha de te beijar, de se entregar despida de tudo... Quero continuar sempre a permanecer calada no teu ombro quando precisas de viver em silêncio os teus rituais, lutar contra o ressonar para adormecer e ficar até um bocadinho irritada com isso, sorrir quando te ouço a teclar no forward enquanto dormes, aquela que te dá beijos a dormir, todas as noites... quero rir contigo quando tens piada e continuar, persistentemente, a tentar ter piada para que também tu te rias... Mas acho que se sorrires apenas já não é tão mau assim... Quero fazer planos, fazer a mala e ir a pé para Fusina, repetidamente enquanto nos deixarem os pés e os joelhos livres de artroses (porque os cabelos, esses, teimam em coxear na cor de forma prematura)... Quero construir, para além da nossa história, a nossa casa, e nela fazer crescer os nossos filhos que desde sempre desejamos. Quero dizer-lhes “a mamã não sabe, pergunta ao papá, mas anda cá que te faço um fondue de tofu”, quero tirar-lhes fotografias, quanto baste, para me lembrar mas também para não me esquecer. E quero ainda que me perguntes todos os dias “quem é que canta isto”, sem te cansares que falhe 55 vezes a mesma e que não reconheça os Rolling Stones, Sex Pistols e o Mark Knopfler (dentro e fora dos Dire Straits), que me ensines bandeiras, países e a jogar monopólio like a boss... Quero que nunca na nossa vida percamos tempo a ver telenovelas... Quero ser para sempre a única no teu coração, na tua cabeça e no teu desejo... gorda, magra, com rugas, olheiras ou mesmo ainda mais chata... Quero continuar a limpar e polir todos os dias de forma religiosa a bola (bolha) de cristal, reluzente, pura e indestrutível que sempre foi a confiança que depositei em ti, apagando com cuidado pequenas impurezas incrustadas que lá apareceram de surpresa a cavalo nuns moinhos de vento... E neste tom de D. Quixote sigo também eu a cavalo no Rocinante, contigo desenhado no meu escudo, porque só este amor me pode proteger em todas as batalhas...

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