domingo, 14 de setembro de 2008

Regresso



Regresso. Passo pela porta com mais do que as malas no ombro magoado, o peso é maior do que na partida, preenchi com souvenirs os espaços invisíveis por entre os cm3 de vazio... na mala e no coração. Paixão, é paixão a força propulsora da minha vontade, são as asas nos pés, e a chave do cadeado... paixão é ir sem pensar em voltar, entregar a pirâmide como um todo a transeuntes que escolheram deixar de o ser... Paixão é não dormir e comer conservas, é adiar o banho, desacertar o relógio, é sentar de pé sobre os músculos cansados e aprender, aprender contigo até transbordar os olhos... lágrimas, cada uma com nome próprio... Paixão é ir ensinar e viver numa balança invertida, aprender mais... é sentir as ondas a expandir amplamente pelo todo que sou e não descrevo, num paradoxo paradoxalmente lógico, analógico, e renascer entre a ferida que rasga e o Amor que nasce. E é na ponta da navalha, daltónica e monocromática, que pinto tonalidades por inventar.
Regresso. O aroma não mudou, as cores, a energia que me acolhe, a luz esbatida que ficou acesa, as vozes mudas. A superfície de interacção destas forças na minha pele contraria as leis da física, contrapõem-se num duelo com mais do que um vencedor, baralham e jogam de novo, lançam cartas novas, novas fórmulas químicas, da química alquimista. Passos. Oiço os meus passos, os pés descalços que mais barulho fazem que as botas deixadas à porta. E as lágrimas nascem fora das glândulas lacrimais, fora ventrículo esquerdo, da amígdala e do hipotálamo. Tenho uma fonte noutra dimensão. Bifurcada, multifacetada. Nome, nome, chama-me pelo nome que calada permanecerei. Nome? Não me chamo.... Sou menos pessoa que ontem, mais amplitude, menos fronteiras, mais viagens, menos estações e apeadeiros. Larguei o volante, “eu só peço para ver, ainda peço para ver”... No palco representaste a mulher que não cegou no livro do Saramago, os olhos no escuro, as memórias da vida que já foi.
Regresso mas não parti, de lá nem daqui. Sou puzzle incompleto, receita vegetariana sem título, sou agora dedos no teclado e mente em alta centrifugação. Interacções na pele, aquelas, arrepios e pensamentos fora de moda, interacções nas onze dimensões, naquelas, aquelas, onde penso morar e as outras, não aquelas, que não são mais outras pois descobri lá ter nascido. E, se me escreveres frases faladas, envia carta sem selo e sem morada, porque deitei as chaves ao mar.
Regresso. Desço os degraus porque nem sempre o mais elevado está mais alto, congelo os dedos que já não teclam... estas palavras são escritas já com a minha ausência, com o rasto que ficou aqui e em cada lugar.

1 comentário:

Fading sense disse...

Convenço-me frase após frase de que elas não me trazem os momentos de volta, que o tempo não é unidireccional, e que vivo numa elipse de excentricidade a definir, de coordenadas apolares e não cartesianas. Afinal, a origem do achatamento não foi inventada, e este teu post, esta tua criação foi como um poema de Neruda e, eu um carteiro sem cartas a te entregar. Parto então, nos caminhos da terra, deixando um rasto de poeira que encobre o que deixo. Mas antes, felicito-te, e ainda que muitas vezes em terra de cegos, há quem parta sem se despedir, no impulso da escrita de outrem, retomando o que deixou por dizer sem saber se alguém o espera, sem saber se esse atraso não foi letal.